2º Capítulo.
Passaram-se alguns dias, o país das Maravilhas estava cada vez mais vazio. Suas noites eram sem vida, sonhos comuns, como o de todas as outras crianças. Pesadelos, na maior parte das vezes.
Confio em papai o suficiente, ele não roubaria meus personagens. Mamãe? Hum... Como a Rainha de Copas a descreveu, não seria muito provável. Talvez isso seja automático, eles andam sumindo porque já é hora de não pensar mais neles. Algo normal.
Era o que ela acreditava.
Dias passaram rápido, e Alice precisou ocupar seus pensamentos com a festa de aniversário, e após isso, um fato que ela não esperava: a morte de seu pai. Alice desorientada entrou em um profundo caos emocional, sua mãe não ajudava muito. Sempre calada, aderiu o luto como uniforme, queimando todas as roupas de cor, passou a usar o preto dia e noite, sol ou chuva.
Uma tia distante orientou sua mãe a levá-la em algum consultório próximo, para que o psicólogo a ajudasse a romper essa barreira e seguir sua vida normalmente.
- Olá Alice, como se sente?
O silêncio invadiu o espaço entre Alice e o doutor de terno azul marinho, calça cinza e cabelos grisalhos.
- Tudo bem, confie
Continuou em silêncio, esperando até que ele dissesse algo que realmente a motivasse.
- Você quer falar sobre o País das Maravilhas então, mocinha?
“Maldito.” Alice pensou sozinha.
O incansável psicólogo continuou:
- O que as pessoas de lá faziam? Como era?
- A Rainha de Copas mandaria cortar sua cabeça caso você aparecesse lá, seria divertido.
Alice o observou escrever algo em seu pequeno bloco de papel. “Agressividade”.
- Ela já cortou a cabeça de alguém que tenha ido por lá?
- Dos intrusos que incomodam, sempre. Posso ir? – Antes que o homem a respondesse, ela levantou e foi em direção a porta. – Vamos mamãe, acabou.
- Tão rápido querida?
- Sim.
Deram as costas e prosseguiram, antes que o doutor saísse da sala e a chamasse novamente.
Em seu quarto, afogou-se novamente em suas lágrimas agora tão amigas e presentes.
Fechou os olhos, e como de rotina agora, nada aconteceu.
Os meses a fizeram voltar no consultório, mas nada foi revelado. Passaram dias, e passaram anos. Nada de Coelho, Rainhas, Chapeleiro Maluco, Lebre, Gato e outros personagens. Só o avermelhado de suas pálpebras, todos os dias. E a escuridão, quando era noite.
***
Querido papai, não sei onde você está, mas eu queria que continuasse vivo em meus sonhos. Você se foi, e acredito que meus amigos tenham ido junto com você, o País das Maravilhas se acabou, e hoje completam cinco anos que você partiu. Minha mãe diz que me tornei uma bela jovem. Ah, e por falar nela, bem... Não mudou muita coisa, e se mudou, garanto que foi pra pior. Só sai de casa para ir às missas, e nada mais. Nada de chás à tarde, nem aos sábados, como eram sagrados! Já a encontrei chorando no banheiro, no quarto, na sala, na varanda, e sempre com uma foto sua nas mãos. Ela sente bastante a sua falta, assim como eu. Gostaria que você estivesse aqui.
E essa era a quinta carta que Alice escrevia, e acompanhava sua mãe ao cemitério da cidade no dia em que completava mais um ano da morte de seu pai.
- Tem algo que preciso falar com você, Alice.
- Diga mamãe.
Alice se acomodou no sofá da sala, bem ao lado da sua mãe e observou sua expressão séria e decidida.
- Estive pensando muito, e cheguei a conclusão de que você precisa se afastar de mim. Meu estado emocional não é bom, por isso vou me mudar para uma clinica onde pessoas com o mesmo problema que eu vivem.
- Quero ir com você.
- Não, querida, você não pode. Alice, você tem uma vida toda pela frente, projetos a concluir e sonhos a realizar. A minha vida está perto do fim, estarei feliz com a sua felicidade. – Com os olhos lacrimejando levemente, ela concluiu – Você irá para a casa de uma antiga amiga, que tem outra filha de mais ou menos a sua idade, onde será recebida com muito carinho, irei arcar com suas despesas, e nos veremos em todos os seus aniversários.
- Não vou me adaptar.
- Não existem outras opções. Vá arrumar as suas coisas, partiremos na semana que vem. Quanto a essa casa... Estará pronta para te receber, caso você queira voltar quando for maior de idade.
Sem pensar, sem contestar, sem sugerir outras escolhas, Alice saiu. Decidida a definitivamente não pensar, para não chorar e se magoar mais.
Ao longo dos dias, as pilhas com as caixas foram aumentando na sala, e assim, no dia da partida, sua mãe lhe deu um beijo na testa, e com lágrimas por todo o rosto disse:
- Quero que seja feliz, não deixe de sonhar.
Sem falar nada, Alice foi de encontro ao carro que a levaria para seu novo lar.
Sem choro.
Sem pensamentos.
Sem lembranças.
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