quarta-feira, 21 de julho de 2010

Neon (2)


Logo após que tive minha ideia "brilhante", me achei um grande idiota. Meu plano consistia em dizer tudo o que eu senti naqueles meses sem ela. Queria vê-la chorar, sofrer, pedir desculpas. Agora, como eu iria encontrá-la?Certamente, Sofia havia trocado de celular e de endereço desde então. Talvez Sofia tivesse se mudado pra outro estado, outro país! Fechei meu notebook e fiquei sentado ali, vendo o café se esvaziar aos poucos enquanto o céu lá fora ficava cada vez mais escuro e fechado.
-Quer a conta, senhor Rafael?
-Sim, por favor...
Saí de lá mais desolado do que havia entrado. Havia perdido tudo e não parecia haver jeito de nem ao menos ficar revoltado, jogar a culpa nela, sei lá, quem sabe só olhar pra ela e ver que eu não sou nem nunca fui apaixonado.

-Cara, aonde tu se meteu?
Leonardo estava na cozinha minúscula fazendo alguma gororoba de cheiro e aparência sinistra.
-Eu tava escrevendo, por que?O que é isso que você tá fazendo aí?
-Mermão, como assim escrevendo?O dono do jornal ligou aqui umas dez vezes!
-Ah... o jornal!Merda!Me esqueci do obituário...
-Tu é responsável pelo obituário do jornal? - ele deu uma risada. -Você já teve tempos melhores...
-É, fica rindo, mas é o obituário que põe comida nessa casa, tá?Por falar em comida, que porcaria é essa que você tá cozinhando?
Ele fez cara de importante e pigarreou.
-Este é o macarrão à moda do chef, receita de família, irmãozinho.
-Que?Isso é um macarrão?O que você colocou aí?
-É receita secreta.
-Nem quero mais saber o que tem aí.
-Pára de reclamar e come logo, que você tá parecendo um cabide.
Talvez fosse por estar com muita fome, mas o fato é que eu comi duaz vezes aquele macarrão com cara de gosma que o Léo havia feito. Quando voltei à mesa para retirar o resto do jantar, notei um papel qualquer dobrado ao lado do telefone.
-Ei, Léo!
-Quié?!- ele gritou da cozinha.
-Que papel é esse em cima da mesa?É algum recado?
-Ah, é um convite pruma festa que vai rolar lá na Universidade!Vamo?
-Putz, nem sei... eu já to meio velho pra esse tipo de festas...
-O que?Velho?Cara, você tem só 25!Não, vamo sim, antes que eu acabe te confundindo com um vampiro.
-Contanto que eu não fique brilhando no sol, por mim...
-Sua animação é contagiante, velho.
Peguei o papel pra ler.
"9221-3457, CA de Arquitetura, Campus 1. Falar com Guilherme Costa."
-Guilherme Costa?
-Ein?-Léo já estava sentado na sala vendo TV.
-Guilherme Costa?Você conhece esse Guilherme Costa?
-O Buldogue?Claro que conheço!Maior gente fina.
Isso era um sinal divino. "Aê, Deus!Tá começando a colaborar, ein?", pensei.
Guilherme Costa, a não ser que tivesse alguém na mesma cidade, que fizesse o mesmo curso, que tivesse o mesmo nome, era o irmão mais novo de Sofia. Seu apelido era Buldogue justamente por sua semelhança com o cachorro:bochechas grandes, meio caídas e olhos que lacrimejavam sem parar.
Fiquei parado quase por um minuto olhando pro nada, segurando o papel, pensando no que fazer. Iria à festa de calouros pirralhinhos e, talvez, encontraria Sofia. E se eu a encontrasse?Como eu reagiria?
-Rafa, tu fumou maconha estragada?Que é que tu tá fazendo aí parado?
-Eu vou contigo!-eu disse rindo e Léo começou a rir também.

Era uma sexta-feira, meia noite. O campus deveria estar deserto. É, deveria, mas não estava. A cidade inteira parecia estar lá, no Centro Acadêmico de Arquitetura. Eu mal havia chegado e já tava querendo ir embora. Aquilo era a cena do apocalipse descrita por João na Bíblia. Muita gente feia, bêbada, dando gargalhadas e cuspindo.
-Tinha me esquecido de como é divertido ser um universitário.- disse ironicamente.
-Relaxa, olha só que mina bonita ali te dando mole.
-Onde?
-Ali oh!
-Você já tá bêbado, Léo.
-Nãão, você que não bebeu o bastante.- ele disse enrolando a língua e me dando uma latinha de cerveja.
No meio daquela multidão de calouros e veteranos sem noção, eu me pus a procurar pelo Buldogue. "Que inferno, hoje em dia esses caras todos se parecem!", pensei com amargura. Tentava passar pelas pessoas sem encostar muito nelas, mas meu esforço era em vão. Acabei derramando um pouco do que havia na latinha em uma moça de cabelos longos. Ela não pareceu se importar muito.
-Oi!- ela sorriu, meio tonta.
-Iaê?- eu forcei um sorriso e tentei passar por ela, ainda olhando pra todos os lados, tentando achar o maldito do Buldogue. Será que ele não havia ido a festa?
-Ei!Não tão rápido!-ela tentou me agarrar, mas não conseguiu, caiu de cara no chão.
Saí de perto dela o mais rápido que pude e esbarrei num casal.
-Opa, desculpe, não quis atrapa...
Era ele!O Buldogue! Deus sabe que a vontade que eu tive foi de beijar aquela careca dele!
-Guilherme?Guilherme Costa?
-Hã?Quem é você?
-Sou...Tiago, amigo da...Luísa, lembra?-aproveitei a bebedeira e a falta de memória pra não me identificar.
-Luísa?AAAHH, to lembrado sim.
O que o álcool não faz com a pessoa...
-Iaê, cara, como você tá?
-Ih, papo chato, depois a gente se fala, Gui.-disse a "ficante" do Buldogue.
-Eu tô bem, na medida do possível né...
-Que foi, cara?
-A Luísa me deixou.
Putz!Luísa é o nome da ex dele?Tá de brincadeira!
-É mesmo?
Ele me contou sobre a vida dele, desde a infância até o momento em que conheceu Luísa, desde o primeiro beijo deles até o pé na bunda. Tudo! Mencionou Sofia duas ou três vezes e, a cada vez em que pronunciava seu nome, meu estômago dava um nó.
Já eram três da madrugada e Léo, super bêbado, assim como Guilherme, disse que não tava passando bem. Aproveitei a ocasião e me ofereci a dar carona ao irmão de Sofia. Ele, claro, aceitou. Aquela poderia ser a minha chance de saber o endereço de Sofia, de vê-la novamente.
(continua)

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