sexta-feira, 16 de julho de 2010

Neon (1)


Saí bem cedo pra começar, pela milésima vez, aquela história que havia prometido pra editora. Peguei minhas coisas e enfiei de qualquer jeito na mochila. Saí pras ruas ainda meio escuras, tentando não me importar com o fato de que minhas mãos estavam quase congelando.
O café estava apinhado de gente que queria se aquecer e que queria um momento de paz a salvo daquele caos que era a cidade. Eu, como sempre, sentei-me àquela mesa no canto, junto à janela. Dava pra ver a avenida quase inteira. Pessoas passando, diferentes entre si, olhando com desconfianaça uma pras outras, caminhando a passos largos, trocando olhares de receio. Casais andavam de mãos dadas, crianças passavam gritando, idosos se moviam lentamente, se afastando dos demais e carros e mais carros passavam rápido e buzinavam. Tudo aquilo era, pra mim, fonte de inspiração. Desde pequeno, eu gostava de observar as pessoas e seus hábitos mais estranhos.
Lembrei-me de quando me escondia debaixo da escada pra espiar minha irmã e o namorado dela na sala de estar. Os sussurros, o jeito como ela colocava o cabelo atrás da orelha e o tirava e o colocava outra vez. O modo como ele engrossava a voz pra impressionar...
Ri ao lembrar de mim mesmo, de como eu engrossava a voz quando via Sofia vindo até mim.
Já fazia muito tempo. Eram dias ensolarados e quentes. Tão quentes que faziam o suor escorrer pelos cantos do rosto e os olhos arderem. Sofia era mais uma menina comum. Tão comum quanto alguém poderia ser. Pele nem muito clara, nem muito morena. Cabelos nem muito cacheados, nem muito lisos. Estatura mediana. Peso mediano. Sorriso... bom, o sorriso de Sofia não era mediano. Ela tinha o sorriso mais lindo do mundoe eu poderia apostar com você que ninguém, nem a atriz hollywoodiana mais bonita que você já viu, tinha um sorriso daquele.
Na primeira vez em que esbarrei com Sofia, nem a notei. Na segunda vez... também não. Nem na terceira, nem na quarta. Passei um ano inteiro estudando com ela e sequer sabia seu nome, seu gosto musical, no que tinha interesse, o que queria ser quando "crescesse". Sofia era uma completa desconhecida. O mais engraçado disso era que ela sabia meu nome. Ela sabia meu nome e meu sobrenome. Sabia que eu gostava de Jamie T, que eu tinha medo de aranhas e pra que curso iria prestar meu vestibular. Um dia, enfim, ela me disse isso tudo. Foi no dia da nossa formatura.
A encontrei num banco sozinha, isolada do mundo. Parecia estar chorando.
-Oi?-disse receoso.
Ela logo enxugou as lágrimas, morrendo de vergonha.
-Posso me sentar aqui também?
Ela fez que sim.
E conversamos a noite toda, sobre o céu, sobre as músicas e livros dos quais gostávamos, sobre o futuro incerto que nos esperava. Então, uma coisa inédita aconteceu comigo. Ela havia me amarrado em cada palavra que dizia. Apaixonei-me por Sofia.
Namoramos por longos... dois anos?É, pra mim não foram tão longos assim. O tempo passava muito rápido quando estávamos juntos! Eu amava Sofia, por Deus, como eu amava aquela garota comum de sorriso estonteante e palavras embriagantes!Adorava o jeito como ela franzia a testa quando ficava preocupada e o modo como seu cabelo ficava quando exposto ao sol. Gostava até das nossas brigas, mas...
Nada é pra sempre e um namoro assim muito menos. Aconteceu o que era certo de acontecer: So fia me deixou. Disse que eu não tinha futuro. Era escritor. Disse que eu vivia viajando no meu próprio mundo e que ela precisava de algo mais concreto e real pra vida dela. Vida dela.. pff!A vida dela não serviria nem prum livro infantil. Vida monótona e chata, muito pior do que a minha. É, eu gostava de pensar assim. Gostava de pensar que, sem mim, a vida dela era tão vazia quanto a minha sem ela.
"A falta do seu sorriso apagou o meu e hoje eu me lembro dela como se fosse ontem", eu escrevi no final do meu conto idiota. Mais uma historinha ridícula sobre a mesma mulher.
Olhei pra fora, o céu nublado, nuvens densas e escuras escondiam o sol. Já haviam se passado 3 horas. Já havia consumido mais cafeína do que o recomendável e minha história tava uma completa bosta. Desde que eu havia sido abandonado, escurraçado, humilhado, jogado fora por Sofia, tudo era uma bosta. Bosta, bosta, bosta! Precisava fazer alguma coisa pra reverter aquela situação. Precisava fazer alguma coisa pra voltar a escrever direito, pra arrumar a minha vida, voltar a ser quem eu era antes de ter conhecido aquela mulher tão sem graça. Foi então que eu tive "a ideia".

3 comentários:

  1. Ah, que lindo! Sofia não tinha que tê-lo deixado. rs
    Curiosa pra saber sobre a ideia. G_G

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  2. Eu ia dizer que esse post teu me lembra 500 days of summer (500 dias com ela). Adoro esse filme. Mas enfim, isso ate eu ler essa parte.. que não me é NADA estranha:

    "pff!A vida dela não serviria nem prum livro infantil. Vida monótona e chata, muito pior do que a minha. É, eu gostava de pensar assim. Gostava de pensar que, sem mim, a vida dela era tão vazia quanto a minha sem ela."

    ¬¬ Luque.. vamos conversar depois, ok? Que idéia é essa? ;*

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